Declaração de Dublin

Introdução
A escassez e o mau uso da água doce são fatores de grande e crescente risco ao desenvolvimento sustentável e à proteção do meio ambiente.
A saúde e o bem-estar, a garantia do suprimento de alimentos, o desenvolvimento industrial e os ecossistemas correspondentes, estão todos em risco, a não ser que a água e os recursos naturais sejam gerenciados mais efetivamente na década presente e nas futuras, do que foi feito no passado.
Quinhentos participantes, incluindo especialistas designados pelo governo, de cem países e representantes de oitenta organismos internacionais, intergovernamentais e não-governamentais participaram da Conferência Internacional de Água e Meio Ambiente (ICWE) em Dublin, Irlanda, nos dias 26 a 31 de janeiro de 1992. Os especialistas diagnosticaram a situação futura dos recursos hídricos no mundo como crítica. Na conclusão do evento, a Conferência adotou esta Declaração de Dublin e o Relatório da Conferência. Os problemas destacados não são de natureza especulativa; nem é provável que afetem o nosso planeta só no futuro distante. Eles estão aqui agora e afetam a humanidade. A sobrevivência futura de milhões de pessoas demanda ação imediata e efetiva.
Os participantes da Conferência solicitam novas estratégias fundamentais de avaliação, desenvolvimento e gerenciamento de recursos hídricos (água doce), que só podem ser apresentados por meio de comprometimento político e envolvimento dos níveis mais altos do governo até as menores comunidades. O comprometimento necessitará ser estruturado por imediatos e substanciais investimentos, campanhas de conscientização para o público, mudanças legislativas e institucionais, desenvolvimento tecnológico e programas de capacitação. Destacando todos estes itens deve haver um maior reconhecimento da interdependência de todos os povos, e de seu espaço no mundo natural.
Ao recomendar a Declaração de Dublin a todos líderes mundiais reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em Junho de 1992, os participantes da Conferência incentivaram todos os governantes a estudarem cuidadosamente as atividades específicas e os meios de implementação recomendados no Relatório da Conferência, e traduzir aquelas recomendações em urgentes programas de ação para

Água e Desenvolvimento Sustentável
Princípios
Uma ação concentrada é necessária para reverter a presente tendência de superconsumo, poluição, e desafios crescentes de secas e enchentes. O Relatório da Conferência sugere recomendações de ação a níveis locais, nacionais e internacionais, baseados em quatro princípios de orientação:
Princípio n° 1 - A água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente
Já que a água sustenta a vida, o gerenciamento efetivo dos recursos hídricos demanda uma abordagem holística, ligando desenvolvimento social com o econômico e proteção dos ecossistemas naturais. Gerenciamento efetivo liga os usos da terra aos da água nas áreas de drenagem ou aqüífero de águas subterrâneas.

Princípio N° 2 - Gerenciamento e desenvolvimento da água deverá ser baseado numa abordagem participativa, envolvendo usuários, planejadores legisladores em todos os níveis
A abordagem participativa envolve uma maior conscientização sobre a importância da água entre os legisladores e o público em geral. Isto significa que as decisões são tomadas no menor nível possível com participação total do público e envolvimento de usuários no planejamento e implementação de projetos de água.

Princípio N° 3 - As mulheres formam papel principal na provisão, gerenciamento e proteção da água
Este papel de pivô que as mulheres desempenham, como provedoras e usuárias da água e guardiãs do ambiente diário não tem sido refletido na estrutura institucional para o desenvolvimento e gerenciamento dos recursos hídricos. A aceitação e implementação deste princípio exige políticas positivas para atender as necessidades específicas das mulheres e equipar e capacitar mulheres para participar em todos os níveis dos programas de recursos hídricos, incluindo tomada de decisões e implementação, de modo definido por elas próprias.

Princípio N° 4 - A água tem valor econômico em todos os usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico
No contexto deste princípio, é vital reconhecer inicialmente o direito básico de todos os seres humanos do acesso ao abastecimento e saneamento à custos razoáveis. O erro no passado de não reconhecer o valor econômico da água tem levado ao desperdício e usos deste recurso de forma destrutiva ao meio ambiente. O gerenciamento da água como bem de valor econômico é um meio importante para atingir o uso eficiente e eqüitativo, e o incentivo à conservação e proteção dos recursos hídricos.

A Agenda de Ação
Baseados neste quatro princípios de orientação, os participantes da Conferência desenvolveram recomendações que possibilitam aos países abordarem seus problemas de recursos hídricos numa ampla variedade de frentes. Os benefícios principais para implementação das recomendações de Dublin serão:
Alívio de pobreza e doença
No início da década de 90, mais de um quarto da população mundial ainda tem necessidades básicas de alimentação, abastecimento e saneamento. A Conferência recomenda que seja dada prioridade ao desenvolvimento e gerenciamento dos recursos hídricos para acelerar a provisão de alimentos, abastecimento e saneamento a estes milhões carecentes.

Proteção contra os desastres naturais
A falta de preparo, geralmente agravada por falta de informação, significa que secas e enchentes cobram seu grande preço em mortes, miséria e perdas econômicas. Perdas econômicas como desastres naturais, incluindo enchentes e secas, aumentaram em três vezes entre 1960 e 1980. O desenvolvimento tem sido retardado em alguns países em desenvolvimento, porque investimentos não tem sido feitos em coleta de dados e preparação contra desastres. Previsões de mudanças climáticas e aumento no nível do mar intensificarão o risco para alguns, enquanto desafiando a aparente segurança dos recursos hídricos existentes.
Danos e perdas de vidas por causa de enchentes e secas podem ser drasticamente reduzidas através de ações de preparo contra desastres recomendadas no Relatório da Conferência de Dublin.
Reuso e conservação de água
Tendências atuais do uso da água identificam desperdício excessivo. Há um grande espaço para a economia de água na agricultura, na indústria e no fornecimento de água em domicílios.
Estimativas indicam que 80% da água consumida no mundo é usada na agricultura irrigada. Em muitos cenários de irrigação, até 60% desta água é desperdiçada no caminho da fonte até a estação. Práticas mais eficientes de irrigação levarão a economias substanciais de água doce.
Reciclagem poderia reduzir em 50% ou mais o consumo das indústrias, além do benefício adicional de redução da poluição. A aplicação do princípio "poluídor-pagador" e cobrança justa de água irá encorajar a sua conservação e o reuso. Em média, 36% da água produzida por companhias de águas urbanas em países em desenvolvimento "não são contabilizadas". Melhorias na gestão poderiam reduzir estes prejuízos.
Economias agregadas da agricultura, indústria e fornecimento doméstico poderiam realocar estas economias para o desenvolvimento de novos sistemas de recursos hídricos, tendo grandes impactos na sustentabilidade do futuro fornecimento. Maior economia surgirá dos múltiplos usos da água. Efetividade nos padrões de descarga, baseados em novos objetivos de proteção das águas, favorecendo consumidores à jusante a reutilizar a água que atualmente está muito contaminada após o primeiro uso.
Desenvolvimento urbano sustentável
A sustentabilidade do crescimento urbano é ameaçada pela diminuição de fornecimento barato de água, como resultado da escassez e degradação causada por profligacias passadas. Após uma geração ou mais de uso excessivo de água e descarga sem tratamento de esgoto industrial e municipal, a situação na maioria das cidades grandes no mundo é triste e está piorando. Os custos marginais para satisfazer a demanda estão crescendo rapidamente devido a escassez e poluição, que força o desenvolvimento de fontes cada vez mais distantes. A garantia de suprimento no futuro precisa ser estruturada em controles apropriados de demandas e descargas de água. A contaminação residual do solo e da água por resíduos resultantes do crescimento industrial não pode mais ser visto como uma troca razoável pelos empregos gerados e a prosperidade.
Produção Agrícola e abastecimento de água rural
Atingir a garantia do suprimento de alimentos é uma grande prioridade em muitos países, e a agricultura deve não só fornecer alimentação para uma população crescente, mas também economizar a água para outros usos. O desafio é desenvolver e aplicar tecnologias de economia de água e métodos de gerenciamento, e, por meio da capacitação, prover meios para comunidades criarem instituições e incentivos para as populações rurais adotarem novas estratégias, tanto para agricultura irrigada como agricultura abastecida pelas chuvas. A população rural deve, também, ter melhor acesso ao fornecimento de água potável e serviços de saneamento. É uma imensa tarefa, porém não impossível, tendo políticas apropriadas e programas adotados em níveis local, nacional e internacional.
Protegendo ecossistemas aquáticos
A água é parte vital ao meio ambiente e lar de várias formas de vida no qual o bem estar dos seres humanos dependem. De forma essencial a interrupção destes fluxos tem reduzido a produtividade dos ecossistemas, devastando a piscicultura, agricultura e pastos, e marginalizando comunidades rurais que desses dependem. Vários tipos de poluição, incluindo poluição transfronteiriça, exarcebam estes problemas, degradam a água para abastecimento, exigem tratamento de água mais caro, destroem fauna aquática, e restringem as oportunidades de lazer.
O gerenciamento integrado de bacias hidrográficas oferece a oportunidade de preservação de ecossistemas aquáticos e disponibiliza estes benefícios à sociedade de forma sustentável.
Resolvendo conflitos da água
A entidade geográfica mais apropriada para o planejamento e gerenciamento de recursos hídricos é a bacia hidrográfica, incluindo águas de superfície e subterrâneas. Idealmente, o planejamento e desenvolvimento integrado efetivo de rios transfronteiriços ou bacias de lagos tem exigências institucionais semelhantes a bacias completamente dentro do país. A função essencial dos organismos de bacias internacionais existentes é de reconciliar e harmonizar os interesses de países fronteiriços, monitorar a quantidade e qualidade da água, desenvolver programas de ações complementares, facilitar a troca de informações e executar acordos.
Nas próximas décadas, a importância do gerenciamento de bacias internacionais será muito maior. Portanto, grande prioridade deverá ser dada à preparação e implementação de planos integrados de gestão, endossados por todos governos envolvidos e respaldados por acordos internacionais.
O meio ambiente provedor
A implementação de programas de ação para a água e desenvolvimento sustentável exigirá grandes investimentos, não só no aspecto financeiro dos projetos mencionados, mas especialmente, na capacitação de pessoas e instituições para planejar e implementar estes projetos.
A base de conhecimento
Medidas dos componentes do ciclo da água, em quantidade e qualidade, e de outras características do meio ambiente que afetam a água são fundamentais para a adoção do gerenciamento efetivo da água. Técnicas de pesquisa e análise, aplicados em bases interdisciplinares, permitem o entendimento desta informação e a aplicação para os múltiplos usos.
Com a ameaça do aquecimento global, devido a concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera, é evidente a necessidade de medições e troca de informações do ciclo hidrológico em escala global. A informação é necessária para entender tanto o sistema climático do mundo como os impactos potenciais dos recursos hídricos e a elevação do nível do mar. Todos os países devem participar e, onde necessário, serem auxiliados a participar do monitoramento global, os estudos dos efeitos e o desenvolvimento de estratégias apropriadas de resposta.
Capacitação
Todas as ações identificadas no Relatório da Conferência de Dublin exigem funcionários bem treinados e qualificados. Países devem identificar, como parte dos planos nacionais de desenvolvimento, necessidades de treinamento para avaliação e gestão dos recursos hídricos, e avançar internamente, e, caso seja necessário, com a cooperação de agências técnicas, para fornecer o treinamento necessário, e condições de trabalho que ajudem a manter os funcionários treinados.
Governos devem avaliar a capacidade de equipar os especialistas em água e outros para implementarem atividades abrangentes de gestão integrada dos recursos hídricos. Isto exige o provimento de um ambiente capacitador em termos de aspectos legais e institucionais, incluindo aqueles de gestão efetiva de demanda de água.
A conscientização é vital na estratégia participativa de gestão dos recursos hídricos. A informação, educação e programas de comunicação de apoio devem ser parte integral do processo de desenvolvimento.
Prosseguindo
A experiência tem demonstrado que o progresso na implementação de ações e o alcance de objetivos de programas de água exigem mecanismos de andamento para avaliações periódicas em níveis nacional e internacional.
Na estrutura dos procedimentos de andamento desenvolvidos pelo PNUMA para a Agenda 21, todos os governos devem iniciar avaliações periódicas de progresso. No nível internacional, as instituições das Nações Unidas concernentes à água devem ser fortalecidas para poderem avaliar e dar andamento dos progressos. Além disso, para envolver instituições privadas, organismos regionais e não-governamentais além de governos interessados na avaliação e andamento, a Conferência propõe, para consideração do PNUMA, um fórum mundial das águas ou conselho em que todos os grupos possam aderir.
A proposta é que a primeira avaliação completa da implementação do programa recomendado seja realizada até o ano 2000.
O PNUMA é incentivado a considerar as exigências financeiras para os programas relacionados a água, de acordo com os princípios acima, no subsídio para a implementação da Agenda 21. Tais considerações devem incluir objetivos realistas para o cronograma de implementação dos programas, os recursos internos e externos necessários e os meios para mobilizá-los.
A Conferência Internacional de Água e Meio Ambiente começou com uma Cerimônia da Água em que crianças de todas as partes do mundo fizeram um comovente pedido aos especialistas reunidos para que façam a sua parte na preservação dos recursos hídricos preciosos para futuras gerações. Na transmissão da Declaração de Dublin ao público mundial, os participantes da Conferência incentivam todos os que estão envolvidos no desenvolvimento e gerenciamento dos recursos hídricos a permitirem que a mensagem destas crianças permeiem todas as suas futuras ações.

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