A
cratera mexicana de Chicxulub, com 150 km de
diâmetro, parecia a prova final de que
um asteróide teria acabado com os dinossauros
há 65 milhões de anos, mas um
grupo de cientistas cavou até o nível
do impacto e diz não ter encontrado sinal
algum de que ela esteja ligada à grande
extinção.
Para
a equipe de Gerta Keller, da Universidade de
Princeton (EUA), a interpretação
é clara: não foi o impacto de
Chicxulub que deu cabo dos répteis gigantes.
Ela aposta numa conjunção de fatores
terrestres e espaciais para explicar a tragédia,
uma das cinco grandes extinções
na Terra.
'A
cratera é grande, mas não causou
extinções significativas. Muitas
crateras de cerca de 100 km não causaram
extinções, e não há
razão para acreditar que Chicxulub, ligeiramente
maior, tenha tido esse papel', disse à
Folha Keller, 58, geóloga e paleontóloga.
Seu estudo está na última revista
'PNAS' (http://www.pnas.org).
A
verdade está lá embaixo
- Com instrumentos usados para perfurar o subsolo
em busca de petróleo, a equipe escavou
o poço Yaxcopoil-1, a cerca de 60 km
do centro da cratera. Retiraram um cilindro
contínuo de rocha de 400 a 1.511 metros
abaixo do solo.
No
mundo todo, a barreira entre o Cretáceo
(o último período da era dos dinossauros,
que se encerrou há 65 milhões
de anos) e o Terciário, apelidada pelos
cientistas de barreira K/T, é marcada
por uma fina camada avermelhada de irídio,
um metal muito pouco comum na Terra que, supõem
os cientistas, teria sido depositado pelo impacto
de um asteróide.
Keller
e seus colegas verificaram que o local do impacto
do bólido de Chicxulub não tinha
a camada. A barreira K/T teve de ser identificada
por uma camada estéril, recoberta por
microrganismos típicos do Terciário,
50 cm mais para o alto. 'É possível
identificar essa cratera por uma camada de pequenas
esferas de vidro de 3 mm a 4 mm. Portanto, os
dois impactos têm assinaturas diferentes',
afirma a geóloga.
Além
disso, acima do impacto há uma camada
respeitável de microfósseis -organismos
de uma só célula cujas espécies
puderam ser identificadas. 'Esses foraminíferos
[grupo a que pertencem os microrganismos] indicam
uma idade anterior à barreira K/T', afirma
o geólogo suíço Thierry
Adatte, 45, da Universidade de Neuchâtel,
co-autor do estudo.
Como
nenhum deles sobreviveu à grande extinção,
isso provavelmente significa que a vida continuou
como se nada tivesse acontecido em Chicxulub
-por cerca de 300 mil anos, com margem de erro
de 30 mil anos para mais ou para menos, diz
Keller.
'Os
dados que eles colocam são interessantes,
mas é difícil saber até
que ponto são 300 mil anos mesmo', questiona
o paleontólogo Reinaldo José Bertini,
especialista em dinossauros da Unesp (Universidade
Estadual Paulista) de Rio Claro. Para ele, as
descobertas anteriores em Chicxulub, por enquanto,
ainda parecem 'relativamente sólidas'.
Vários
culpados - Se para Adatte e Keller
a cratera mexicana deixou de ser a prova do
crime, isso não quer dizer que a busca
por um impacto ligado à barreira K/T
tenha terminado.
'Ao
contrário, temos de procurar por ele.
Talvez haja um sítio potencial na Índia',
diz Adatte. 'Sabemos que um impacto substancial
ocorreu na barreira K/T, só não
sabemos onde está a cratera desse impacto',
avalia Keller.
No
entanto, parece claro para eles que uma conjunção
de fatores é responsável pela
morte em massa de espécies e grupos animais
e vegetais. 'As evidências que temos indicam
que a extinção em massa se deveu
à coincidência de grandes erupções
vulcânicas e a mudança climática
ligada a elas. Dois grandes impactos coincidiram
com isso e provavelmente causaram mudanças
ambientais ainda mais severas', diz Keller.
Teria
sido um processo com duração de
várias centenas de milhares de anos.
O asteróide carregador de irídio
da barreira K/T só teria dado o golpe
de misericórdia.
Para
Bertini, a ocorrência de múltiplos
impactos é uma hipótese cada vez
mais considerada pelos pesquisadores, mas ele
lança dúvidas sobre a possível
influência do vulcanismo. 'Esse trabalho
deixa, na verdade, muitas pontas soltas. Agora,
é preciso investigá-las', avalia.