As
queimadas na Amazônia não mais
ameaçam apenas a biodiversidade da maior
floresta do planeta. Partículas liberadas
nos incêndios da região são
capazes de diminuir a quantidade de chuvas e
até alterar o balanço das estações,
com impactos significativos para os climas amazônico
e planetário.
Tais
conclusões vêm de um estudo publicado
hoje na prestigiosa revista "Science"
(www.sciencemag.org)
por uma equipe de pesquisadores brasileiros,
alemães e israelenses. A bordo de dois
aviões Bandeirantes do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) e da Uece (Universidade
Estadual do Ceará), eles sobrevoaram
Rondônia para examinar o exterior e o
interior das nuvens que se formavam durante
as queimadas --e não gostaram nem um
pouco do que viram.
"Ainda
não sabemos se é 10%, 20% ou 30%,
mas o fato é que as queimadas reduzem
a precipitação [a quantidade de
chuva] significativamente", disse à
Folha o físico da USP Paulo Artaxo, 50,
um dos autores da pesquisa. De acordo com o
cientista, as queimadas também estão
bagunçando a divisão do ano em
estação seca e estação
chuvosa na Amazônia --a última
está começando duas semanas depois
do normal.
Os
grandes vilões do processo parecem ser
os aerossóis, partículas em suspensão
na atmosfera que participam de uma série
de processos climáticos, entre eles a
formação de nuvens. Nesse caso,
eles ganham o apelido de NCNs (núcleos
de condensação de nuvens). É
em volta deles que o vapor d'água forma
gotinhas e, quando alcança uma massa
crítica, despenca na forma de chuva.
Em
condições normais, o ar da floresta
não é muito menos límpido
do que o acima do mar. Há poucos NCNs.
Muitas gotas se concentram em torno de cada
um deles e, portanto, as chuvas caem com grande
regularidade.
Quando
a mata está pontuada por queimadas, no
entanto, a situação muda. As observações
da equipe mostram que a concentração
de NCNs passa de 300 por cm3 para mais de 5.000
por cm3.
As
partículas das queimadas passam a dominar
o cenário: surgem até as pironuvens
("piro" vem da palavra grega para
fogo), que nascem diretamente da fumaça
do incêndio, além de outras que
aparecem depois da dispersão dos núcleos
criados pelo fogo.
Com
tanto NCN dando sopa, o vapor d'água
não sabe muito bem para onde ir, e apenas
poucas gotas se agarram a cada núcleo.
O resultado é que as nuvens demoram a
se formar, surgem acima das posições
normais de nuvens de chuva e, apesar de gerarem
algumas poucas tempestades, acabam causando
um balanço total de chuvas bem menor.
Cria-se
então um reforço sinistro: com
menos chuva, os incêndios se alastram
com mais facilidade, geram mais aerossóis,
menos chuva ainda cai --e a Amazônia acaba
ganhando uma estação seca prolongada.
É
bem possível, no entanto, que o impacto
do mecanismo vá muito além do
Brasil. "A Amazônia é uma
fonte importante de vapor d'água para
a atmosfera do planeta", diz Artaxo. "Simulações
já mostraram que secas na região
causam eventos semelhantes na Inglaterra e nos
Estados Unidos."