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Assunto
Editoria
Data
Biodiversidade
Ciência
1/8/2004

Pesquisa revela que insetos que comem plantas são fundamentais para floresta

RICARDO BONALUME NETO
da Folha de S.Paulo

Ambientalistas românticos gostam de abraçar árvores. Mas fariam mais para preservar a biodiversidade do planeta se começassem a comê-las. Um estudo feito na Amazônia peruana mostrou que aquilo que os seres humanos chamam de "pestes", os insetos comedores de plantas, são fundamentais para a manutenção da variedade de espécies de árvores que existe em uma floresta.

O estudo foi trabalhoso, mas fundamentalmente simples --ou "elegante", como gostam de dizer os cientistas. E serviu para apoiar uma hipótese formulada 30 anos atrás pelo biólogo Daniel H. Janzen, hoje na Universidade da Pensilvânia. Tradicionalmente, a variedade de plantas é atribuída aos diferentes solos e nutrientes presentes, além da maior ou menor presença de água. Janzen, estudando florestas tropicais, propôs que os fatores mais críticos na evolução das árvores seria a relação delas com insetos herbívoros, em um trabalho publicado em 1974.

O teste da hipótese foi feito agora por Paul Fine, em seu doutorado na Universidade de Utah, de Salt Lake City. Fine, sua orientadora Phyllis Coley e um estudante peruano, Italo Mesones, da Universidade Nacional da Amazônia Peruana, de Iquitos, publicaram um artigo com a descoberta na última edição da revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.org). Os experimentos foram feitos na Reserva Allpahuayo-Mishana.

Argiloso ou arenoso - O ponto de partida foi selecionar as espécies de árvore. Há uma divisão básica entre elas. Algumas vivem em solos ricos, argilosos e vermelhos.

Outras se dão melhor em solos brancos, arenosos. O fato pareceria apoiar a hipótese de que essa separação seria resultado principalmente da diferença de solo. Fine e colegas transplantaram espécies de solo argiloso para o solo arenoso, e vice-versa. Metade das árvores jovens em cada tipo de solo foi protegida por redes que impediam o ataque de insetos. A outra metade tinha rede apenas por cima, para que a quantidade de luz solar que recebessem fosse a mesma. Livres de virarem refeição de gafanhotos, besouros, pulgões, cigarras e taturanas, as árvores de solo argiloso cresceram sem problemas no solo arenoso. E cresceram bem. Em média, essas árvores tinham o dobro da altura e da superfície de folhas.

Foram estudadas 20 espécies de planta de seis gêneros próximos na classificação biológica. Foram transplantadas 880 plantinhas para 44 locais na floresta, com três metros de largura, três de comprimento e dois de altura, metade dos quais completamente cercados por rede. As plantas que normalmente crescem em solo arenoso crescem mais devagar porque precisam gastar parte considerável da sua energia na criação de defesas contra insetos e outros herbívoros.

A defesa pode ser tanto uma folha mais grossa e resistente, espinhos, ou substâncias químicas protetoras. "Uma planta não pode ser extremamente bem defendida contra insetos e crescer muito rápido", diz Fine, que compara as árvores com automóveis. É o mesmo que ter um carro blindado; o peso extra vai naturalmente torná-lo mais lento que um carro sem a proteção. E mesmo quando foram transplantadas para um solo mais rico em nutrientes, as plantas melhor protegidas continuaram crescendo mais devagar, com ou sem rede de proteção.

A rede não era necessária para aumentar suas chances de sobrevivência, pois essas plantas já tinham defesas próprias. Já as plantas mais vulneráveis de solos mais ricos compensam a menor defesa pela rapidez no crescimento graças aos nutrientes. E nessa floresta mais luxuriante existem também mais predadores dos insetos, como pássaros.

Defensores da biodiversidade - Os autores concluem que, se não fosse pelos insetos, as árvores de solo argiloso, que crescem mais rápido, tenderiam a dominar o ambiente, podendo até causar a extinção das outras. "Os insetos promovem a biodiversidade na floresta tropical ao tornar impossível para as espécies de solo vermelho com poucas defesas viverem em solos arenosos pobres", afirma Fine. "Embora outros fatores certamente influenciem a especialização de habitat em outros estágios da vida de uma árvore --como predação de sementes, a capacidade de tolerar resíduos que caem, morfologia da raiz etc.--, os herbívoros parecem ser de importância primária no estágio de planta nova e, em adição, continuam provavelmente a atacar as árvores durante toda sua vida", concluíram os autores no artigo na "Science".

"Desde Bates, Darwin e Wallace que os ecologistas e biólogos evolucionários têm se esforçado para descobrir as causas da alta diversidade de espécies em regiões tropicais", escreveu o pesquisador Robert Marquis, da Universidade do Missouri em Saint Louis (EUA), em seu comentário sobre o experimento de Fine e colegas na mesma edição da "Science". Segundo Fine, a Amazônia tem cerca de 10 mil espécies de árvore, contra cerca de 500 na floresta temperada da América do Norte.

Os três naturalistas britânicos citados devem às florestas tropicais, notadamente às brasileiras, boa parte da inspiração para seus trabalhos. Alfred Russel Wallace (1823-1913) e Walter Bates (1825-92) fizeram uma expedição pelo rio Amazonas em 1848. Antes disso, Charles Robert Darwin (1809-1882) havia se maravilhado com a Mata Atlântica brasileira durante sua famosa viagem de volta ao mundo no veleiro HMS Beagle, de 1831 a 1836. Tanto Darwin quanto Wallace chegaram --de modo independente-- a uma teoria para explicar a evolução biológica através da "seleção natural".

A seleção natural é o processo pelo qual os organismos melhor adaptados ao ambiente sobrevivem e transmitem suas características. "Essa preservação de variantes favoráveis e a rejeição de variantes danosas eu chamo de seleção natural", escreveu Darwin no livro inicial, e fundamental, da teoria, "A Origem das Espécies", de 1859. Apesar de Wallace ter chegado à mesma conclusão, o impacto desse livro e de outros subseqüentes fez com que a teoria da evolução se chamasse "darwiniana" e não "wallaciana".

Insetos e especiação - Levando-se em conta uma perspectiva evolucionária no estudo das interações árvores-insetos, afirma Marquis, o estudo indica que os herbívoros não seriam apenas mantenedores da biodiversidade, mas atuariam ativamente promovendo-a. Biodiversidade significa maior número de espécies. Os insetos, então, agiriam como uma grande força de seleção no próprio processo de "especiação", ou seja, seriam fator determinante para a formação de espécies novas.

Os biólogos acreditam que novas espécies surgem principalmente em função da separação geográfica --por exemplo, animais isolados em uma ilha vão se diferenciando daqueles do continente.

Mas os experimentos e sua interpretação indicariam que mesmo proximamente as espécies poderiam divergir. No caso, o tipo de solo e os insetos seriam os fatores a afetar a evolução.

Marquis deixa claro que os herbívoros não são o único fator, e que é preciso um enfoque "holístico", isto é, que vários elementos precisam ser levados em conta para explicar questões complexas de ecologia.

Um dos mais importantes cientistas que lida com o tema, o americano Edward O. Wilson, cita três principais motivos para explicar a alta diversidade de espécies nos trópicos: energia, estabilidade e área.

Segundo Wilson, quanto mais energia disponível, mais espécies; e isso fica fácil de entender, pois há cada vez mais energia do Sol quanto mais próximo da linha do Equador. Quanto mais estável a região --por exemplo, com um clima constante--, mais fácil é a adaptação das espécies ao ambiente. E quanto maior a área, maior é a população e portanto a sua diversidade.

Além da diversidade vegetal, existe a animal. Basta lembrar que uma mesma árvore amazônica pode ter mais espécies de formigas que todas as ilhas britânicas, apenas para ficar no animal mais estudado por Wilson.

"Em um mundo sem herbívoros, nosso estudo prevê que haveria uma diversidade de árvores muito menos nos trópicos", afirma Fine. Nada mal, em se tratando de pestes.

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