Ambientalistas
românticos gostam de abraçar árvores.
Mas fariam mais para preservar a biodiversidade
do planeta se começassem a comê-las.
Um estudo feito na Amazônia peruana mostrou
que aquilo que os seres humanos chamam de "pestes",
os insetos comedores de plantas, são
fundamentais para a manutenção
da variedade de espécies de árvores
que existe em uma floresta.
O
estudo foi trabalhoso, mas fundamentalmente
simples --ou "elegante", como gostam
de dizer os cientistas. E serviu para apoiar
uma hipótese formulada 30 anos atrás
pelo biólogo Daniel H. Janzen, hoje na
Universidade da Pensilvânia. Tradicionalmente,
a variedade de plantas é atribuída
aos diferentes solos e nutrientes presentes,
além da maior ou menor presença
de água. Janzen, estudando florestas
tropicais, propôs que os fatores mais
críticos na evolução das
árvores seria a relação
delas com insetos herbívoros, em um trabalho
publicado em 1974.
O
teste da hipótese foi feito agora por
Paul Fine, em seu doutorado na Universidade
de Utah, de Salt Lake City. Fine, sua orientadora
Phyllis Coley e um estudante peruano, Italo
Mesones, da Universidade Nacional da Amazônia
Peruana, de Iquitos, publicaram um artigo com
a descoberta na última edição
da revista científica norte-americana
"Science" (www.sciencemag.org). Os
experimentos foram feitos na Reserva Allpahuayo-Mishana.
Argiloso
ou arenoso - O ponto de partida foi selecionar
as espécies de árvore. Há
uma divisão básica entre elas.
Algumas vivem em solos ricos, argilosos e vermelhos.
Outras
se dão melhor em solos brancos, arenosos.
O fato pareceria apoiar a hipótese de
que essa separação seria resultado
principalmente da diferença de solo.
Fine e colegas transplantaram espécies
de solo argiloso para o solo arenoso, e vice-versa.
Metade das árvores jovens em cada tipo
de solo foi protegida por redes que impediam
o ataque de insetos. A outra metade tinha rede
apenas por cima, para que a quantidade de luz
solar que recebessem fosse a mesma. Livres de
virarem refeição de gafanhotos,
besouros, pulgões, cigarras e taturanas,
as árvores de solo argiloso cresceram
sem problemas no solo arenoso. E cresceram bem.
Em média, essas árvores tinham
o dobro da altura e da superfície de
folhas.
Foram
estudadas 20 espécies de planta de seis
gêneros próximos na classificação
biológica. Foram transplantadas 880 plantinhas
para 44 locais na floresta, com três metros
de largura, três de comprimento e dois
de altura, metade dos quais completamente cercados
por rede. As plantas que normalmente crescem
em solo arenoso crescem mais devagar porque
precisam gastar parte considerável da
sua energia na criação de defesas
contra insetos e outros herbívoros.
A
defesa pode ser tanto uma folha mais grossa
e resistente, espinhos, ou substâncias
químicas protetoras. "Uma planta
não pode ser extremamente bem defendida
contra insetos e crescer muito rápido",
diz Fine, que compara as árvores com
automóveis. É o mesmo que ter
um carro blindado; o peso extra vai naturalmente
torná-lo mais lento que um carro sem
a proteção. E mesmo quando foram
transplantadas para um solo mais rico em nutrientes,
as plantas melhor protegidas continuaram crescendo
mais devagar, com ou sem rede de proteção.
A
rede não era necessária para aumentar
suas chances de sobrevivência, pois essas
plantas já tinham defesas próprias.
Já as plantas mais vulneráveis
de solos mais ricos compensam a menor defesa
pela rapidez no crescimento graças aos
nutrientes. E nessa floresta mais luxuriante
existem também mais predadores dos insetos,
como pássaros.
Defensores
da biodiversidade - Os autores concluem que,
se não fosse pelos insetos, as árvores
de solo argiloso, que crescem mais rápido,
tenderiam a dominar o ambiente, podendo até
causar a extinção das outras.
"Os insetos promovem a biodiversidade na
floresta tropical ao tornar impossível
para as espécies de solo vermelho com
poucas defesas viverem em solos arenosos pobres",
afirma Fine. "Embora outros fatores certamente
influenciem a especialização de
habitat em outros estágios da vida de
uma árvore --como predação
de sementes, a capacidade de tolerar resíduos
que caem, morfologia da raiz etc.--, os herbívoros
parecem ser de importância primária
no estágio de planta nova e, em adição,
continuam provavelmente a atacar as árvores
durante toda sua vida", concluíram
os autores no artigo na "Science".
"Desde
Bates, Darwin e Wallace que os ecologistas e
biólogos evolucionários têm
se esforçado para descobrir as causas
da alta diversidade de espécies em regiões
tropicais", escreveu o pesquisador Robert
Marquis, da Universidade do Missouri em Saint
Louis (EUA), em seu comentário sobre
o experimento de Fine e colegas na mesma edição
da "Science". Segundo Fine, a Amazônia
tem cerca de 10 mil espécies de árvore,
contra cerca de 500 na floresta temperada da
América do Norte.
Os
três naturalistas britânicos citados
devem às florestas tropicais, notadamente
às brasileiras, boa parte da inspiração
para seus trabalhos. Alfred Russel Wallace (1823-1913)
e Walter Bates (1825-92) fizeram uma expedição
pelo rio Amazonas em 1848. Antes disso, Charles
Robert Darwin (1809-1882) havia se maravilhado
com a Mata Atlântica brasileira durante
sua famosa viagem de volta ao mundo no veleiro
HMS Beagle, de 1831 a 1836. Tanto Darwin quanto
Wallace chegaram --de modo independente-- a
uma teoria para explicar a evolução
biológica através da "seleção
natural".
A
seleção natural é o processo
pelo qual os organismos melhor adaptados ao
ambiente sobrevivem e transmitem suas características.
"Essa preservação de variantes
favoráveis e a rejeição
de variantes danosas eu chamo de seleção
natural", escreveu Darwin no livro inicial,
e fundamental, da teoria, "A Origem das
Espécies", de 1859. Apesar de Wallace
ter chegado à mesma conclusão,
o impacto desse livro e de outros subseqüentes
fez com que a teoria da evolução
se chamasse "darwiniana" e não
"wallaciana".
Insetos
e especiação - Levando-se
em conta uma perspectiva evolucionária
no estudo das interações árvores-insetos,
afirma Marquis, o estudo indica que os herbívoros
não seriam apenas mantenedores da biodiversidade,
mas atuariam ativamente promovendo-a. Biodiversidade
significa maior número de espécies.
Os insetos, então, agiriam como uma grande
força de seleção no próprio
processo de "especiação",
ou seja, seriam fator determinante para a formação
de espécies novas.
Os
biólogos acreditam que novas espécies
surgem principalmente em função
da separação geográfica
--por exemplo, animais isolados em uma ilha
vão se diferenciando daqueles do continente.
Mas
os experimentos e sua interpretação
indicariam que mesmo proximamente as espécies
poderiam divergir. No caso, o tipo de solo e
os insetos seriam os fatores a afetar a evolução.
Marquis
deixa claro que os herbívoros não
são o único fator, e que é
preciso um enfoque "holístico",
isto é, que vários elementos precisam
ser levados em conta para explicar questões
complexas de ecologia.
Um
dos mais importantes cientistas que lida com
o tema, o americano Edward O. Wilson, cita três
principais motivos para explicar a alta diversidade
de espécies nos trópicos: energia,
estabilidade e área.
Segundo
Wilson, quanto mais energia disponível,
mais espécies; e isso fica fácil
de entender, pois há cada vez mais energia
do Sol quanto mais próximo da linha do
Equador. Quanto mais estável a região
--por exemplo, com um clima constante--, mais
fácil é a adaptação
das espécies ao ambiente. E quanto maior
a área, maior é a população
e portanto a sua diversidade.
Além
da diversidade vegetal, existe a animal. Basta
lembrar que uma mesma árvore amazônica
pode ter mais espécies de formigas que
todas as ilhas britânicas, apenas para
ficar no animal mais estudado por Wilson.
"Em
um mundo sem herbívoros, nosso estudo
prevê que haveria uma diversidade de árvores
muito menos nos trópicos", afirma
Fine. Nada mal, em se tratando de pestes.